O Diabo no confessionário



Tinha chegado ofegante, dava provas de que havia corrido muito para estar ali. Seu nome: Chico, Chico dos Ares, mais um Chico no meio de tantos outros desse país chamado Rasbil.
O Diabo no confessionárioNão era alguém tão comum. Tinha roupas fora dos conceitos, uns adornos de bambu mal feitos, um livro de um desses socialistas de merda faltando páginas e uma bandeira preta amassada, soprada por uma boca cheia de álcool e decepção.
- Sim, diga! O que o senhor quer?
- Quero fundar um partido político. Um partido novo, um partido que nunca existiu aqui em Rasbil.
- O Senhor tá maluco? Já é noite, a repartição pública tá fechada. Além do mais… que porra é essa de partido novo? Olhe pro Senhor! Está descalço, sujo, maltrapilho e fedendo, banhado de álcool na cara. Vá pra casa se não vou ter que recolhê-lo. Não quero contaminar a prisão.
- Você pode fazer parte dele. Temos um setor para cuidar dos assuntos que extrapolem o uso da palavra…. sorria… você será meu braço forte. Uma ponte segura que unirá minhas ideias ao espírito do povo.
O guarda sabia que falava com um louco. Já tinha jantado, falado com a mulher e com a filha ao telefone, estava apenas esperando chegar a hora de poder se encontrar com uma de suas amantes. Parece que a daquela noite já tinha tido um caso com o próprio coronel. Isso lhe dava mais gana, mais tesão, queria mostrar pra ela que, na cama, não tinha patente: o que importava não estava na farda, mas dentro dela.
- Fico extremamente honrado com sua distinção para comigo. Mas, diga-me, como seria nosso partido, o que ele teria de novo em Rasbil?
O guarda estava disposto a brincar, se divertir um pouco, imaginou que isso lhe faria melhor, aliviaria seu ser para as delícias que provaria horas mais tarde.
- Policial é burro mesmo! Temos que lhe dar o feno e ainda mostrar-lhe os seus próprios dentes. Não sabe ler? Veja! Olhe! Em minhas mãos está o estatuto do meu… quer dizer, do nosso partido.
- Oh! Perdoe-me pela falta. É que não aparece aqui amiúde gente tão ímpar e culta como vossa senhoria. Tudo bem… mil perdões. Poderia, então, lê-lo para mim… quer dizer, para Rasbil, mostrar quais são as novidades partidárias?
O policial sentiu vontade de rir de forma escancarada. Mas se conteve. Arrumou a farda, juntou as mãos como se orasse, abaixou a cabeça até a altura dos ombros, e esperou a leitura do regimento em um documento que apenas o mendigo via.
- Que não se repita mais, pois perderá o comando da inteligência do partido. Vamos lá:
Artigo 1º O Partido dos Operários de Rasbil terá representação em todo o território nacional, podendo utilizar de todos os meios possíveis e imagináveis para ganhar uma eleição.
Artigo 2º O Partido dos Operários de Rasbil terá como fundamento ideológico os seguintes elementos:
a) pagar pensão vitalícia, para sempre, eternamente, para qualquer governante que sofra com os labores e as dificuldades do cargo, mesmo que não precisem, ficando facultado ao partido inventar historinhas e lendas, para justificar o ato, podendo até mesmo utilizar-se das riquezas florestais do país para confecção de caras, sendo vedado o uso de óleo de peroba;
b) refutar qualquer crítica ou acusação à estrutura do partido, mesmo que seja comprovado, visto e evidenciado por todos o natural cometimento de crimes, escândalos e afins, devendo seus membros utilizar as mais variadas e criativas formas de interpretação teatral, a fim de que possa, com a insistência e cinismo, convencer todos aqueles possuem menos de dois neurônios de que são anjos de asas azuis;
c) garantir, após plástica e maquiagem, a posse de seus candidatos condenados por qualquer tribunal, sendo assegurado a esses o papel de vítima e mártires da liberdade;
d) Comprar as opiniões dos parlamentares mensalmente, a fim de que possam sedimentar o projeto de governo do partido, sendo a todos obrigados a ensaiarem com insistência os dizeres: isso é apenas caixa dois, é conspiração das elites contra os pobres, e ele não sabia de nada.
e) Criar quadrilhas no Governo nos meses apropriados, a fim de que possa resgatar as festas caipiras do país, bem como seus valores históricos e culturais, sendo facultado, nesses arraiais, o uso de milho verde, pamonha, caldeirada e pizza, priorizando, se possível, o último elemento.
Então…o que acha… essa é só a primeira parte… gostou… se identificou com nosso projeto? Tenho certeza que sim. Ainda tenho mais coisas pra ler sobre ele. Escute!
- Não, já basta! O Senhor tem certeza de que essas pautas são novas em nosso país? Ao que me parece, Rasbil já vivenciou coisas desse tipo.
- Sério? Oh meu Deus! Onde estávamos que não mergulhamos no mar?
- O que iríamos fazer no mar, meu Senhor… o Senhor já me cansa.
- Ora, pois! És mesmo para o feno seu quadrúpede escuro. No mar nos juntaríamos às maiores feras, as mais espertas, as mais inteligentes também.
- Aos tubarões? Ser ferozes e imponentes como os carnívoros marinhos?
- Não, seu tolo! Não precisamos de uma casca dura. Seremos sutis, flácidos e delicados como…
- O Senhor está preso!
Por Jhonatas Carvalho.    Acrelandia Manchete.
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